A farra dos sacos plásticos
André Trigueiro: pós-graduado em meio ambiente, jornalista, redator e
apresentador do Jornal das 10, da Globonews, desde 1996.
“Creio que um dos primeiros presentes que recebi de meus sogros
em Viena foram 2 bolsas de algodão para ir ao Supermercado. Depois
compreendi”.
No Brasil os supermercados, farmácias e boa parte do comércio varejista
embalam em saquinhos tudo o que passa pela caixa registradora.
Não importa o tamanho do produto que se tenha à mão, aguarde a sua vez
porque ele será embalado num saquinho plástico.
O pior é que isso já foi incorporado na nossa rotina como algo normal,
como se o destino de cada produto comprado fosse mesmo um saco plástico.
Nossa dependência é tamanha que quando ele não está disponível costumamos
reagir com reclamações indignadas.
Quem recusa a embalagem de plástico é considerado, no mínimo, exótico.
Outro dia fui comprar lâminas de barbear numa farmácia e me deparei
com uma situação curiosa: a caixinha com as lâminas cabia perfeitamente
na minha pochete. Meu plano era levar para casa assim mesmo.
Mas num gesto automático,a funcionária registrou a compra e
enfiou rapidamente a mísera caixinha num saco onde caberiam
seguramente outras dez.
Pelas razões que explicarei abaixo, recusei gentilmente a embalagem.
A plasticomania vem tomando conta do planeta desde que o inglês
Alexander Parkes inventou o primeiro plástico, em 1862.
O novo material sintético reduziu os custos dos comerciantes
e incrementou a sanha consumista da civilização moderna.
Mas os estragos causados pelo derrame indiscriminado de plásticos na
natureza
tornou o consumidor um colaborador passivo de um desastre ambiental de
grandes proporções.
Feitos de resinas sintéticas originadas do petróleo, esses sacos não são
biodegradáveis e levam séculos para se decompor na natureza.
Usando a linguagem dos cientistas, esses saquinhos são feitos de
cadeias moleculares inquebráveis, e é impossível definir com precisão
quanto tempo levam para desaparecer no meio natural.
No caso específico das sacolas de supermercado, por exemplo, a
matéria-prima
é o plástico filme, produzido a partir de uma resina chamada polietileno de baixa densidade (PEBD).
No Brasil são produzidas 210 mil toneladas anuais de plástico filme,
que já representa 9,7% de todo o lixo do país.
Abandonados em vazadouros, esses sacos plásticos impedem
a passagem da água, retardando a decomposição dos materiais
biodegradáveis,
e dificultam a compactação dos detritos.
Essa realidade que tanto preocupa os ambientalistas no Brasil,
já justificou mudanças importantes na legislação – e na cultura –
de vários países europeus.
Na Alemanha, por exemplo, a plasticomania deu lugar à sacolamania
(cada um levando sua própria sacola).
Quem não anda com sua própria sacola a tiracolo para levar as compras
é obrigado a pagar uma taxa extra pelo uso de sacos plásticos.
O preço é salgado: o equivalente a sessenta centavos a unidade.
A guerra contra os sacos plásticos ganhou força em 1991, quando
foi aprovada uma lei que obriga os produtores e distribuidores
de embalagens a aceitar de volta e a reciclar seus produtos após o uso.
E o que fizeram os empresários? Repassaram imediatamente os custos
para o consumidor.
Além de antiecológico, ficou bem mais caro usar sacos plásticos na
Alemanha.
Na Irlanda, desde 1997 paga-se um imposto de nove centavos de
libra irlandesa por cada saco plástico.
A criação da taxa fez multiplicar o número de irlandeses indo às compras
com suas próprias sacolas de pano, de palha e mochilas.
Em toda a Grã-Bretanha, a rede de supermercados CO-OP mobilizou
a atenção dos consumidores com uma campanha original e ecológica:
todas as lojas da rede terão seus produtos embalados em sacos plásticos
100% biodegradáveis.
Até dezembro deste ano, pelo menos 2/3 de todos os saquinhos usados
na rede serão feitos de um material que, segundo testes em laboratório,
se decompõe dezoito meses depois de descartado.
Com um detalhe interessante:se por acaso não houver contato com a água,
o plástico se dissolve assim mesmo, porque serve de alimento para
microorganismos encontrados na natureza.
Não há desculpas para nós brasileiros não estarmos
igualmente preocupados com a multiplicação
indiscriminada de sacos plásticos na natureza.
O país que sediou a Rio-92 (Conferência Mundial da
ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente) e
que tem uma das legislações ambientais mais avançadas
do planeta, ainda não acordou para o problema
do descarte de embalagens em geral e dos sacos
plásticos em particular.
A única iniciativa de regulamentar o que hoje acontece de forma aleatória
e caótica foi rechaçada pelo Congresso na legislatura passada.
O então deputado Emerson Kapaz foi o relator da comissão
criada para elaborar a “Política
Nacional de Resíduos Sólidos”.
Entre outros objetivos, o projeto apresentava propostas para a destinação
inteligente dos resíduos, a redução do volume de lixo no Brasil,
e definia regras claras para que produtores e comerciantes
assumissem novas responsabilidades em relação aos resíduos
que descartam na natureza, assumindo o ônus pela coleta e
processamento de materiais que degradam o meio ambiente
e a qualidade de vida.
O projeto elaborado pela comissão não chegou a ser votado.
Não se sabe quando será.
Sabe-se apenas que não está na pauta do Congresso.
Omissão grave dos nossos parlamentares que não pode ser
atribuída ao mero esquecimento.
Há um lobby poderoso no Congresso trabalhando no sentido
de esvaziar esse conjunto de propostas que atinge determinados
setores da indústria e do comércio.
É preciso declarar guerra contra a plasticomania
e se rebelar contra a ausência de uma legislação
específica para a gestão dos resíduos sólidos.
Há muitos interesses em jogo.
Qual é o seu?
Vamos fazer a nossa parte, vamos repassar a mensagem.